Fogo mal amado

Carqueja e Urze, Penedo Ruivo, Serra do Marão.

De fenómeno divino e admirado até motor da civilização moderna, entidade maléfica a inimigo público número um, o fenómeno físico-químico ao qual chamamos fogo terá muitas mais conotações do que as referidas, umas boas outras certamente muitas mais, de pior conotação.
Significados metafísicos à parte, é indiscutível que em Portugal os últimos 6 anos não têm abonado a seu favor, os últimos incêndios “florestais” deixaram marcas indeléveis na nossa cultura, de tal forma que grande parte da nossa sociedade ou esqueceu ou permanece incauta à verdadeira função ecológica que o fogo apresenta.
As nossas comunidades florísticas evoluíram com o fogo e são dotadas não só de mecanismos que propiciam a propagação do fogo, como algumas necessitam inclusive deste para completar o seu ciclo de vida. As comunidades florísticas, como produtores primários que são, estão na base da estrutura ecológica de praticamente todos os habitats terrestres, podendo-se afirmar que nos ecossistemas onde o fogo ocorre naturalmente, todos os organismos estão intrinsecamente ligados a este e são dependentes da sua ocorrência, com a frequência e severidade com que o ecossistema incumbiu neste fenómeno.
Se assim é, porque apresentam os incêndios florestais um carácter tão devastador em Portugal? A resposta é complexa, e hoje ainda não se esgotaram os debates académicos em torno desta questão, mas talvez ajude, se eu lembrar que desde a década de 40 que os ecossistemas florestais, deixaram de ser… bem florestais…
Se acham que um povoamento de pinheiros ou eucaliptos é uma floresta, então se excluirmos o facto de ocuparem o estrato arbóreo, também podemos chamar de floresta a um campo de trigo, milho ou qualquer outro povoamento em “formato” monoespecífico. Uma floresta é um ecossistema complexo, composto por milhares de espécies vegetais.
Mais uma vez, a biodiversidade a apresentar um contributo fulcral para o bem-estar de todos nós, ao diminuirmos esta as nossas florestas deram lugar a povoamentos com um regime de fogo mais intenso e a uma maior severidade.
Os pastores das nossas serranias foram ainda obrigados a abandonar as suas históricas e importantes actividades silvo-pastoris, tendo a vegetação crescido, aumentando todos os anos a sua biomassa, contribuindo mais uma vez para a alteração do regime e severidade do fogo.
Fogo mal amado, bem talvez… Mas olhando para a foto não posso deixar de ver, qual Fénix renascida das cinzas, uma vegetação saudável e bela que não se compadece com o tiro no pé que as nossas sociedades parecem querer insistir em repetir, ano após ano após ano. Esperemos que não gangrene…

1 comentário:

Tiago açores disse...

É bem verdade.Realmente insiste-se em considerar "floresta" aquilo que de natural (e, consequentemente, diversificado) pouco ou nada tem. Ano após ano assiste-se ao clima de temor e lamentação face à devastação combinada por condicionantes naturais e políticas irresponsáveis humanas. Muito há a dizer sobre este assunto e penso que fizeste uma síntese bem conseguida. A foto também o reflecte bem. Está genial!
Cumprimentos