Perfeita imperfeição

Pisco-de-peito-ruivo (Erithacus rubecula), Bacelinho, Penafiel.

Por de trás de cada imagem existem histórias, que nem sempre são partilhadas, mas que quase sempre acrescentam substância, dimensão, perspectiva.
Foi uma das minhas primeiras fotos de abrigo. Após seis horas de espera, que tinha começado bem cedo às seis da manhã, a frustração já se começava a instalar. –“Já contabilizo quatro dias de abrigo e nada, o que falhou? Será que o poiso está muito perto? Será que o abrigo é muito conspícuo? Não espera, devo ter usado o isco errado… Maldita dor de costas, tenho que arranjar um abrigo mais alto. Devia ter dado ouvidos aos mestres e ter montado o abrigo e o poiso uns bons dias antes de fazer as esperas… Hmm, a luz já não está muito famosa, lá se vai mais um… [CLUNK!] … dia de trabalho!”
O familiar mas não obstante estranho ruído que provinha da máquina fotográfica, surpreendera-me mais do que à ave que tinha acabado de chegar, mais rápido do que a mente, o dedo já tinha disparado o primeiro de muitos fotogramas que iriam encher o meu cartão nos dias seguintes. Como que ouvindo o meu lamento silencioso, um belo Pisco tinha acabado de aterrar no poiso, e enquanto divagava, já o meu indicativo esmagava furiosamente o botão do obturador.
A contínua atenção às sempre mutáveis condições de luz já tinha dado frutos, assim como a predisposição da composição e selecção do ponto de focagem a que me tinha proposto. O resultado agrada-me, pensei logo que fiz pré-visualização no pequeno visor do meu equipamento, os mais puristas dirão que a pobre da ave ficou com parte do tarso fora do enquadramento. De tantas outras que fui fazendo nos dias seguintes, muitas tecnicamente superiores, está primeira é a minha predilecta, porquê perguntarão?! Porque de todas as outras tecnicamente superiores, nenhuma possui a mesma ligação emocional que esta me proporciona, nenhuma me traz o calor, o aroma e a textura desse momento. É destes momentos que um fotógrafo de natureza se alimenta, o contacto singular que se estabelece com a vida selvagem, mediado pelo frio toque metálico de uma objectiva.
Que perfeita imperfeição, que completa incompletude!

1 comentário:

Rúben Neves disse...

Muito boa a expressão do pisco! O cenário está muito natural e bem conseguido, sobretudo pela profundidade de campo.